A ULEPICC e a necessidade da investigação crítica no campo comunicacional
Por Anderson Santos*
Em julho de 2013, a Unión Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura (ULEPICC) realizou na Argentina o seu oitavo congresso internacional. No evento, foi eleita a diretoria que assume esta associação com onze anos de existência para a gestão 2013-2015. A presidência é ocupada pelo espanhol Ángel Abadillo Matos, que nos concedeu uma entrevista que se baseou nas propostas apresentadas no documento de candidatura para a entidade.
Badillo nos falou desde a preocupação na pluralidade de gênero e de países na formação da candidatura às perspectivas de futuro da entidade, que propõe seguir o contato com outras associações e mais pesquisadores de outros lugares do mundo, tendo também como um dos objetivos atualizar o site da entidade, de maneira a “seguir trabalhando cada um de nós para que a ULEPICC seja reconhecida como uma das redes acadêmicas mais relevantes das ciências sociais ibero-americanas”.
Professor da Universidade de Salamanca, Badillo dirige o grupo de pesquisa en Industrias Creativas, Culturales y de la Comunicación, tendo duas passagens pela diretoria da secção espanhola da ULEPICC. Confira a entrevista.
– Para começar, parabéns e desejos de um bom trabalho na nova gestão da ULEPICC. Qual é a situação atual da entidade?
Muito obrigado. É cedo para diagnosticar a situação da associação, porque a nova direção está apenas recebendo informações, porém creio que, depois de sua primeira década de vida, a associação está num momento importante de consolidação, que esperamos poder contribuir para consolidar. O êxito do congresso internacional de Quilmes reforça, sem dúvida, essas boas sensações sobre esta comunidade acadêmica.
– A nova direção é composta por pesquisadores de Espanha, Peru, Brasil e México, 3 mulheres e 4 homens. Como ocorreu a formação do grupo para a candidatura? Quais as preocupações em termos de uma diretoria mais heterogênea possível?
Compor uma candidatura nem sempre é fácil, porém neste caso tivemos muita sorte, porque quando comecei a contatar as pessoas que pensava que podiam contribuir melhor à vida da associação, só recebi aceiteis. Isso demonstra a generosidade de todo o conjunto da comunidade científica. Uma das preocupações foi manter uma proporção de gênero adequada (4-3 em qualquer sentido) e uma distribuição da presença internacional que nos permitisse ter permanentemente em conta as sensibilidades e as agendas de uma rede tão extensa e internacional.
– O documento de candidatura apresenta dez objetivos para 2013-2015. Passemos a falar deles. O primeiro ponto é “consolidar a presença da ULEPICC como espaço acadêmico de referência”. Hoje, como está o diálogo e a participação dos membros da entidade com outras associações de estudos críticos na comunicação e nos demais eventos acadêmicos?
O trabalho que se fez até agora nesse sentido é muito positivo. Provavelmente por isso o documento fala da consolidação e não de começar. Sempre há tarefa por fazer, porém as relações com ALAIC [Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación], CONFIBERCOM [Confederação Iberoamericana das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação], AE-IC [Asociación Española de Investigadores de Investigación] ou IAMCR [International Association for Media and Communication Research] (por colocar alguns exemplos) são essenciais, assim que seguiremos trabalhando em mantê-las e melhorá-las, e claro que em estendê-las a todas as redes que resultem adequadas.
– Ainda neste assunto, há uma preocupação maior em estabelecer laços de conhecimento nos países do âmbito ibero-americano e de língua inglesa, em especial os que ainda não têm seções nacionais, como Portugal e Estados Unidos. Por que esses países?
É certo, e espero que ninguém se tenha surpreendido por isso. Portugal deveria ter uma atividade mais definida na associação, sobretudo tendo em conta a altura e a importância científica dos colegas portugueses. Enquanto aos Estados Unidos, a presença de Jessica Retis (da California State University, Northridge) mostra o interesse por definir melhor a rede acadêmica de professores ibero-americanos neste país, no qual as comunidades falantes de espanhol e português são cada vez mais importantes social e academicamente.
– Neste sentido, a ULEPICC tem 3 seções nacionais em funcionamento, Brasil, Espanha e agora México – além da de Moçambique, criada em 2008, porém cujo site está parado desde então. O documento de candidatura fala de melhorar a relação entre as seções e os grupos de investigação já existentes. Em meio às muitas atividades específicas de investigação em cada país, o que se propõe para melhorar o diálogo entre as seções?
Muitos colegas das seções nacionais são conscientes de que o conhecimento que se tem em cada uma delas quanto às outras é, todavia, menor que o que nos gostaria. Suponho que é normal, que estes primeiros dez anos de vida a associação tenha estado mais ocupada em criar essas seções, dinamizá-las, impulsionar os congressos e as redes internacionais. Porém, provavelmente seja o momento de estimular mais fluxos internos de comunicação. Não teria sentido estar mais pendente da relação com outras associações científicas que estimular a comunicação entre os sócios das seções nacionais distintas.
– Uma coisa que me chamou a atenção em meio às propostas estabelecidas foi a preocupação por melhorar os meios de comunicação da entidade, desde uma atualização do site até a presença nos meios sociais. Como crê que será a gestão desses espaços na web, muito importantes em nossos dias? E como incentivar os investigadores da EPC para também usarem estes meios?
O site tem que ser o centro da atividade da associação entre congressos. E até agora não temos conseguido esse objetivo. A partir disso, as redes sociais poderiam alimentar-se com conteúdo produzido desde as seções nacionais. É um objetivo ambicioso, complexo, porém inadiável.
– Para o site, o objetivo é o de ser um espaço de publicação de conteúdos livres, inclusive materiais docentes para o ensino nas universidades públicas do espaço ibero-americano. Como crê que será a difusão entre os docentes, já que os estudos críticos de maneira geral, porém especialmente, os de EPC, ainda não têm difusão nas universidades – uma preocupação especial para o Brasil, devido a suas dimensões territoriais?
A chave é a difusão de informação livre, particularmente como parte do compromisso de todos os que trabalhamos em instituições superiores de ensino público. A ULEPICC já produz muita informação de acesso livre, porém temos que potencializar ainda mais esse aspecto, e pensar não apenas no papel dos membros da comunidade cientifica como pesquisadores, senão também como docentes. Não sei quanto conseguiremos avançar nesse objetivo, porém temos que começar a caminhar por essa via se queremos que os professores de comunicação de todo o mundo possam dispor de materiais adequados para a docência que se apoiem nos resultados da investigação em EPC.
– A proposta deixa claro também a utilização de software livre. É um posicionamento da ULEPICC em temas mais contemporâneos, como a discussão sobre a propriedade com as grandes corporações de telecomunicações. Também figura o objetivo de que a ULEPICC seja um ator público e político nos espaços de influência e de tomada de decisões em matéria de cultura e comunicação. Como fazer isso a partir de realidades tão distintas como as desenvolvidas nos mercados de comunicação, com situações políticas e econômicas atuais também distintas, nos países latinos e europeus?
Vamos ver se conseguiremos! Em principio, trata-se de deixar claro que o compromisso de uma academia crítica é o de uma investigação orientada à mudança social. E isso hoje se traduz no que os anglo-saxões chamam “advocacy”, quer dizer, que a voz de uma comunidade acadêmica extensa, internacional e altamente especializada seja reconhecida nos contextos não acadêmicos de nosso campo. É melhor um objetivo de largo prazo, porém há que manter a mirada posta nele para não esquecê-lo em cada uma das pequenas decisões da rede.
– Quais os desafios de prática política e de investigações para os investigadores da ULEPICC, depois das aberturas dos mercados comunicacionais e da convergência midiática estabelecendo novas maneiras de produção, mas também novas formas de exclusão no acesso às informações?
Permita-me que não me anime a fixar nenhuma agenda investigadora numa comunidade tão extensa e fértil em perspectivas, objetivos e métodos. Imagino que qualquer que tenha vindo aos últimos congressos, escutou as apresentações, prestou atenção nas mesas de comunicações e folheou os resultados estará de acordo no qual há uma poderosa linha transversal em todos nossos trabalhos: a perspectiva crítica que identificamos como “economia política da comunicação”. Este contexto histórico no qual estamos, como você disse na pergunta, recorda-nos o contemporâneo do enfoque e tão necessária que é hoje a investigação crítica no campo comunicacional.
– Obrigado pela entrevista. Porém, há algo além do que se perguntou que queira dizer?
Que há muito trabalho para fazer. E que tem que ver, sobretudo, com consolidar e reconhecer o esforço de todos os colegas que, até hoje, colocaram esta rede científica no lugar que ocupa. Porém ainda temos que seguir trabalhando cada um de nós para que a ULEPICC seja reconhecida como uma das redes acadêmicas mais relevantes das ciências sociais ibero-americanas.
*Caso queira, leia esta entrevista em espanhol: http://www.ulepicc.org.br/entrevistaesp-ulepicc-badillo/