Carta aberta à comunidade acadêmica sobre os últimos ataques do capital e do governo ilegítimo contra a Universidade brasileira
Companheiros.
Ao assumirmos a gestão da ULEPICC-Brasil há quase um ano sabíamos do momento drástico de ataques à classe trabalhadora e ao serviço público com o qual estamos convivendo, pelo aprofundamento do golpe jurídico-institucional que tem como grande foco reduzir os direitos trabalhistas conquistados com muita luta no Brasil, ao longo dos últimos 90 anos. Assim sendo, tratamos de nos posicionar em relação a diversos casos, lançando notas, assinando manifestos, prestando solidariedade aos atingidos.
Os últimos meses do ano revelam uma realidade ainda mais estarrecedora, com atuação exacerbada da Polícia Federal e todo o aparato midiático-institucional que a acompanha em duas universidades federais (UFSC e UFMG), a continuidade da falta de investimento em universidades públicas (a exemplo do caso dramático da UERJ, desde o ano passado), ou a demissão de importantes pesquisadores(as) da Comunicação em universidades privadas (Metodista e UCB), que inviabilizam a manutenção de reconhecidos programas de pós-graduação, como no caso da UCB, com o cancelamento do mestrado recém-avaliado com nota 4 pela Capes.
Já não há papel para tanto manifesto! É preciso tratar destes casos todos juntos porque, ainda entendendo as particularidades que possam demarcá-los individualmente, é o contexto geral – em que a pesquisa e a educação estão na alça de mira de gigantes internacionais que comandam o setor educacional a ponto de duas empresas possuírem mais de 80% das faculdades do Brasil, tendo por ora a sua fusão proibida por decisão recente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – que deve ser enfatizado.
A reforma trabalhista recém implantada, cujos resultados já começam a se fazer sentir, o projeto de reforma da previdência social, ou a malfadada lei do gasto público aprovada no início da gestão Temer, introduzindo no texto constitucional regras de ajuste fiscal que representam um experimento neoliberal inédito em nível mundial, ameaçam ampliar a níveis insuportáveis a violência e a exclusão neste país que já é o mais violento e excludente do mundo.
Tudo isso faz parte de um movimento que, entre outras coisas, busca a mercantilização de bens e serviços essenciais, visando – sem resultados animadores até o momento – salvar o capitalismo da sua própria crise, oferecendo ao mundo sempre mais capitalismo.
A nova etapa de ataques aos direitos e às condições mínimas de segurança pactuadas há 70 anos, em nível global, traduz-se em sistemáticas tentativas de desmonte dos sistemas públicos de previdência social, afetando especialmente, no caso brasileiro, aquela parcela da classe trabalhadora que se apresenta como o esteio dos sistemas de bem-estar social construídos após a segunda guerra mundial: o serviço público. Nesse sentido, a reforma trabalhista do atual governo brasileiro já mostra seus sinais na área acadêmica, seguindo um modelo que vimos ocorrer no campo do jornalismo com a renovação tecnológica das redações facilitando a incorporação de trabalhadores menos experientes, mais flexíveis e pior remunerados. É isto o que swe quer também para a Universidade brasileira.
No caso da produção científica, a sanção do Marco Legal de Ciência, Inovação e Tecnologia, ainda em janeiro de 2016, já abria espaço para menores barreiras ao uso do espaço público de pesquisa por empresas, permitindo a venda de até 8 horas de trabalho semanais do servidor público ao capital. Além de gerar um ambiente ainda mais acirrado de disputa por recursos, ampliando as assimetrias em termos de financiamento em função do poder de captação, o que torna a ciência refém do mercado, privilegia as ciências exatas em relação às sociais, a pesquisa orientada ao mercado em relação à pesquisa pura, no caso das primeiras, a ilusão funcionalista em relação ao pensamento crítico e realista, no das segundas.
A mídia hegemônica no Brasil colocou-se, como era de se esperar, desde o início, ao lado do projeto ultraliberal atual, sonegando sistematicamente informação ao público. Assim, praticamente não se noticiaram os resultados da CPI sobre o sistema previdenciário brasileiro, ou as posições de inúmeros acadêmicos demonstrando a inexistência de déficit da previdência, respaldados por pesquisa acadêmica qualificada, negando-se a entrevistar sequer representantes dos movimentos contra as reformas neoliberais etc. Participou e segue participando da propaganda das ditas reformas, utilizando todos os instrumentos de que dispõe e todo o seu poderio econômico e simbólico a serviço do grande capital.
O ataque hoje se volta especialmente contra a Universidade e o ensino em geral. A proposta defendida pelo Banco Mundial de privatização do ensino superior é radical, mas não surpreendente. As recomendações do banco contrárias às soluções propostas pela maioria dos educadores, baseados em conhecimento científico e experiência pedagógica construídos ao longo de décadas de dedicação e estudo, são velhas conhecidas. A divulgação pela mídia hegemônica dessa proposta oportunista, num momento de fragilidade política nacional demonstra a sua posição contrária aos interesses do povo brasileiro. Seguem, assim, a mesma estratégia de controle da informação e de censura das vozes discordantes utilizada no caso da propaganda massiva pelas maléficas reformas da previdência, trabalhista e de limite dos gastos primários, afetando os sistemas de saúde e educação.
Nessas condições, o campo da comunicação torna-se elemento absolutamente central nas disputas políticas que os trabalhadores, os intelectuais e os cientistas estão sendo obrigados a assumir hoje. Em 30 anos de atuação no Brasil, os pesquisadores e as pesquisadoras da Economia Política da Comunicação sempre buscaram entender o seu objeto de estudo em perspectiva histórica, considerando-o como parte da totalidade social, algo fundamental para o entendimento de qualquer objeto comunicacional.
Os pesquisadores vinculados à ULEPICC-Brasil, em particular, nunca deixaram de exercer a crítica, mesmo na época de governos ditos progressistas na América Latina. Com maior razão não nos calamos agora. Vale reproduzir este trecho do discurso de início da atual gestão: “a realidade exige solidariedade entre as nossas instituições” para enfrentar “uma direita renovada [que] chega agora ao poder prometendo aprofundar as políticas neoliberais e descarregar, como sempre, o peso das políticas de ajuste sobre os ombros da classe trabalhadora, com ações que atingem de forma direta a educação pública e a produção científica, caso dos significativos cortes de recursos e das mudanças nos parâmetros de investimento para a pesquisa”.
Toda solidariedade aos valorosos colegas pesquisadores demitidos. Todo apoio à luta da classe trabalhadora brasileira. Contra as reformas neoliberais.
César Ricardo Siqueira Bolaño
Presidente da ULEPICC-Brasil