Discurso de Marcos Dantas na abertura do VI Encontro da ULEPICC-Br
“Não podemos ser tolerantes com intolerantes”, escreveu Karl Popper. É verdade que o filósofo inglês assim se exprimiu em defesa da democracia liberal, da qual era intolerante partidário, ameaçada, acreditava ele, pelas utopias socialistas e comunistas de construção de um “novo homem” (e “nova mulher”), que nasceria das entranhas daquela democracia mas não sem antes passar pelas naturais dores do parto.
A crença na necessidade e possibilidade de virmos a construir uma sociedade ainda mais civilizada, por isto, justa, livre, democrática, eticamente superior, do que a sociedade capitalista liberal, possivelmente tornava aqueles que Popper via como inimigos da “sociedade aberta”, homens e mulheres cheios de certeza (confundida com intolerância) nos motivos que os moviam.
Esses motivos, porém, radicavam nas mesmas crenças e certezas de Karl Popper. Por cerca de 200 a 300 anos, a Humanidade veio se movendo – não raro, sabemos, a ferro e fogo – na direção de uma Civilização que, entre tantas outras conquistas, nos deu o domínio da eletricidade, da penicilina, dos materiais plásticos, do transporte aéreo e, last but not the least, da computação e da internet. No mesmo movimento, a Humanidade recuperou, lá de trás, lá dos antigos gregos, o ideal da Democracia, e por ela veio lutando, não raro, repetindo, a ferro e fogo.
A crença de que o conhecimento devia ir além da observação contemplativa e encantada do mundo, associada à crença de que homens e mulheres deveriam ser livres e autônomos para exercerem suas próprias razões e, no debate aberto, construírem maiorias democráticas, essas crenças consolidaram-se canonicamente na Europa dos séculos XVII a XIX, tendo sido essenciais para as suas revoluções políticas e científicas. Essas crenças moviam tanto aqueles que poderiam se identificar com o discurso liberal como aqueles que Popper identificava a inimigos da “sociedade aberta”. Eram versões diversas de um mesmo grande projeto civilizatório.
O grande historiador Eric Hobsbawn, em seu A Era dos Extremos, captou o que pode ter sido o momento mais significativo do amálgama profundo que os unia: a aliança das democracias liberais ocidentais com a União Soviética comunista para derrotar o nazi-fascismo. Hobsbawn nos explica que os dois projetos tinham um fundo Iluminista e Racionalista comum, incompatível, ambos, com a barbárie nazi-fascista. Eram ramos frondosos de um mesmo tronco majestoso. Diante deles surgiu um inimigo da Razão humana, das Luzes, uma ameaça ao Progresso civilizatório que, fosse qual fosse o caminho desse progresso, ali seria interrompido, quiçá abortado, caso as sanguinárias hostes hitlerianas saíssem vencedoras da Guerra. Esta ameaça maior uniu dois campos que pareciam inconciliáveis. Numa linguagem que veio lá da Revolução francesa, essa ameaça colocou de um mesmo lado, “girondinos” e “jacobinos”.
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Estamos vivendo rigorosamente numa encruzilhada civilizatória. E, especialmente no Brasil, uma tragédia política e cultural, sem falar da econômica, sem paralelo em nossa própria história, mesmo nos seus piores momentos. Meus colegas vão me desculpar mas não posso, no momento em que vivemos, deixar, do lugar que me foi dado a falar, de compartilhar com vocês toda a angústia que me vai na alma. Não tenho tido, nesses últimos meses, motivos de alegria – a exceção do meu neto Arthur. Sim, devemos festejar a abertura deste nosso Encontro em si – mas aqui, transfiro o crédito, por inteiro, à professora Elen Cristina Geraldes e sua equipe, assim como à professora Verlane Aragão que tão bem conduziu esse processo pela Diretoria. Não reivindico nenhum mérito no seu garantido sucesso.
Como o Brasil chegou a este ponto? As análises imediatas acusam o Judiciário partidarizado, ou a “mídia golpista”, ou um Parlamento corrupto, ou os erros do PT ou de Dilma… as análises imediatas não explicam, entre outras tantas coisas, porque, diante de tanto descalabro e hipocrisia, o povo não reagiu, porque assistiu a mais um golpe de Estado tão bestializado (na famosa frase de Aristides Lobo) quanto já assistiu a muitos outros em nosso passado.
As análises imediatas não explicam porque o mesmo eleitorado que elege Lula ou Dilma também elege aquela maioria de deputados e senadores corruptos que destituíram Dilma sem que lhe pudessem imputar algum crime. As análises imediatas não explicam as escolhas, por Lula e Dilma, dos juízes que escolheram para compor a Suprema Corte. As análises imediatas não explicam porque o Brasil que parecia estar mudando tanto… não mudou nada!
As análises imediatas não explicam porque a nossa Educação básica, ou mesmo superior, segue exibindo os mais baixos índices mundiais de qualidade; porque nosso sistema de saúde só serve, compulsoriamente, aos pobres sem alternativa a dos planos de saúde (também nada maravilhosos!); as análises imediatas não explicam porque, de quase potência industrial – que éramos até pouco mais de 20 anos atrás – voltamos a ser uma reles economia primário-exportadora, dependendo, como nos tempos áureos do café e da borracha, dos preços internacionais de umas tantas matérias primas.
Precisamos começar a investigar além do imediato.
Estamos enfrentando uma tragédia verdadeiramente mundial. E não somente porque tudo o que acontece chega, em nanossegundos, nas nossas telas de televisão ou smartphone, mas sobretudo porque isto que acontece está acontecendo na Ásia, na África, na América Latina, também na Europa e Estados Unidos: é a tragédia de um retrocesso civilizatório global que bate literalmente às portas de cada um de nós. Se um dia, jovem, envolvido na luta revolucionária, eu podia acreditar que, se sobrevivesse àquela luta, viveria num mundo ainda mais progressista, laico, republicano, ça va sans dire, justo e democrático; sobrevivi para assistir online e real time, à expansão de um mundo obscurantista, fundamentalista, movido por guerras religiosas e étnicas que me pareciam, lá atrás, remetidas para os livros de História; um mundo acossado por turbas migratórias expulsas da miséria material mais terrível para se afogarem na miséria ética e política do mundo ocidental…
O que está havendo?
Não pensemos que, aqui no Brasil, essa tragédia só nos chega pela televisão ou internet. O vergonhoso impeachment da presidente Dilma orquestrado e praticado por tipos absolutamente mesquinhos e insignificantes, tipos que ofereceram, pela TV, para nós e para o mundo, aquele vexaminoso espetáculo de mediocridade e ignomínia do dia 17 de abril, e cujos primeiros alvos, uma vez no Poder, foram direta e ostensivamente o Ministério da Cultura e o da Ciência e Tecnologia, o impeachment não nos permite ignorar a natureza profunda do golpe que acaba de nos violentar. A vitória eleitoral, na disputa da Prefeitura, de um soi disant “bispo” fundamentalista, naquela que era – ERA – a mais culturalmente livre, despojada, aberta, avançada, vanguardista cidade brasileira (aceito os protestos soteropolitanos…), a minha, a nossa cidade do Rio de Janeiro, é o indicador mais claro que a jihad, uma jihad cristã, também já se instalou entre nós.
O sociólogo estadunidense Benjamin Barber terá sido, talvez, quem melhor captou, entre tantos que têm tentado, as contradições do nosso tempo. De um lado, a sociedade plenamente adaptada à voragem do consumo e do espetáculo; milhões de indivíduos em todo o mundo que se adaptaram psicológica e culturalmente a esse estilo de vida; não conseguem imaginar a vida sem ele ou fora dele; deixaram-se definitivamente enfeitiçar pela mercadoria. É o “MacMundo”, metáfora de um dos seus mais conspícuos símbolos, a rede de lanchonetes MacDonald.
Frente a esse mundo, ergue-se outro que lhe tem ojeriza. Inclui os bilhões de damnés de la terre mas não apenas eles – tanto quanto o MacMundo também não é formado somente por ricos e remediados. Sua essência é o desajuste psicológico em um mundo líquido, como diria Zygmunt Bauman; a incapacidade de fundo inconsciente no plano individual, e de base cultural na dimensão social, de conviver numa realidade sempre mutante, descartável, veloz, insegura, até por isto, desafiante. Buscam algo sólido que não se desmanche no ar. Se o fetiche da mercadoria parece nos religar a um Deus mercurial que nos cobra, sem descanso de um só minuto, o sacrifício insaciável do consumo; contra ele se volta o fetiche do grande Livro de verdades imutáveis, chame-se Bíblia ou Alcorão, conectando-nos a um Deus sempre o mesmo que apascenta os sacrifícios desta vida terrena garantindo-nos mais à frente uma nova vida serena e eterna num mundo celestial de rios de mel.
Diante do McMundo, ergue-se a “Jihad”. Também uma marca entre outras. Metáfora desse mundo onde milhões de pessoas, citando Barber “reagem lutando contra o presente em nome do passado, lutam por uma concepção religiosa de mundo contra o secularismo e o relativismo […] Defensores da moral, seja nos Estados Unidos, em Israel, no Irã ou na Índia [faltou citar o Brasil], não têm alternativa senão travar uma guerra contra o presente para garantir um futuro que seja mais parecido com o passado: não plural, monocultural, não cético, novamente encantado”.
A mentalidade “jihadista” impulsiona o “Brexit”, busca uma “alternativa para a Alemanha”, acaba – pasmem! – de eleger Trump presidente da maior potência militar do planeta; no Brasil elege Crivella prefeito do Rio de Janeiro, Dória em São Paulo (não nos esqueçamos que seu “patrono” é um homem da Opus Dei). É óbvio que, assim como não faltou gente de Esquerda apoiando o “Brexit”, também nem todos que votaram em Crivella, preferindo-o ao esquerdista Marcello Freixo (porque esquerdista), se encaixariam a perfeição, no conceito de Barber. Pois aí reside o perigo. Também nos anos 1930, muitos demoraram a entender o perigo representado pelo nazismo. As elites conservadoras inglesas e francesas, representadas por suas maiorias parlamentares de Centro, imaginavam que poderiam empurrar Hitler para uma guerra final contra a União Soviética, para isso fazendo-lhe concessões vergonhosas e fatais. Stálin, também, num dado momento, entendeu que precisava pactuar com Hitler. Mas ao final, a própria barbárie tratou de esclarecer que a ameaça pairava sobre todos.
O que precisará acontecer no Brasil para entendermos o que nos ameaça?
Leio, no último dia 30, numa edição banal do ordinário jornal “Extra” do Rio de Janeiro, uma notícia que, a rigor, nem é nova, nem surpreende: “Crime e preconceito: mães e filhos de santo são expulsos de favelas por traficantes evangélicos”. A perseguição evangélica aos nossos cultos de matriz africana já não pode ser ignorada por ninguém. O que a matéria traz à luz, é a ligação entre essa forma de fundamentalismo cristão e a violência lumpemproletária. A transformação, já em curso, do lumpensinato em milícia armada a serviço da barbárie obscurantista. Tal qual eram as SAs nazistas.
O lumpemproletariado, termo consagrado por Marx no Dezoito Brumário de Luis Bonaparte, é o indivíduo que sobrevive nas fímbrias da sociedade, catando as migalhas que pode obter. Sua condição miserável lhe impõe ver o mundo apenas pelos antolhos da sobrevivência imediata. Sua solidariedade é apenas com ele mesmo, em meio a um ambiente social de disputa darwiniana, não raro por isso mesmo violenta, pelas sobras da sociedade opulenta. O lúmpem não é necessariamente o bandido típico. Mas, nas condições em que vive, seu ethos não é muito distinto, nem nada distante. Se interpenetram e podem mesmo atravessar mutuamente suas vaporosas fronteiras. O lúmpem é o camelô, o flanelinha, evidentemente o narcoterrorista que barbariza as favelas e bairros de periferia, bem como seu oponente policial miliciano que diz manter a ordem do lugar, em troca do monopólio pelas armas da oferta de gás, luz, TV a cabo, outros serviços.
O lúmpem odeia o MacMundo. Admitamos, tem seus muitos motivos. Mas sejamos sinceros: o MacMundo é também o nosso mundo, mesmo que dele não gostemos.
O lúmpem está sempre pronto a agredi-lo e, por isto mesmo, torna-se fácil massa de manobra de qualquer líder populista que se disponha a distribuir dinheiro para as suas miseráveis demandas materiais, ainda mais se, em troca, libera-o para agredir o mundo. Serviu de base social para o golpe de Napoleão III. Formava o grosso das tropas SA, a serviço de um movimento, aliás, liderado pelo mais brilhante de todos eles: o próprio Hitler. Hoje, em todo o mundo, o lúmpem global serve de tropa de choque da “Jihad” (no sentido de Barber).
Qualquer um ou uma que tenha se dado ao trabalho de ler com muita atenção o noticiário referente à bárbara chacina do Charlie Hebdo, assim como sobre tantos outros atentados similares na Europa recente; qualquer um ou uma que tenha se dado ao trabalho de ler algo mais sobre as origens ou biografias dos indivíduos que estão à frente de uma organização como o Estado Islâmico e outras similares; notará algo em comum em muitos deles: passaram por prisões devido, na maioria, a pequenos delitos mas, alguns, a crimes que incluíam assassinatos. Hitler criou uma religião laica para mobilizar o seu lumpensinato numa crença arianista, volkish em alemão, contra a Civilização. Os jihadistas dizem falar em nome de uma religião para torná-la ideologia mobilizadora da revolta lúmpem contra o MacMundo.
O lúmpem não deixa, por exemplo, Marcelo Freixo fazer campanha em alguns bairros do Rio de Janeiro e neles faz a população votar em vereadores e deputados, inclusive prefeitos, que protegerão os seus interesses.
Certamente quase todos nesta sala viram o filme “Tropa de Elite 2 – o inimigo agora é outro”. Pois eu asseguro a vocês, nada ali é ficção. O filme é puro documentário. Todo mundo identificava o “deputado Fraga” a Marcelo Freixo mas, muito possivelmente, só o medo a um processo judicial impediu que se escrevesse com todas as letras os nomes reais dos outros principais personagens do filme: o governador, o secretário de segurança, o gordo deputado radialista… Personagem de ficção ali, talvez, somente mesmo o “capitão Nascimento”.
O filme mostra exatamente como se elegem deputados e vereadores no Rio de Janeiro e no Brasil. Mostra porque Lula ou Dilma podem vencer eleições mas precisarão governar com os Eduardos Cunhas, os Marcos Felicianos, os Russomanos, os Renans Calheiros, os Romeros Jucás…
As eleições majoritárias iludem a Esquerda. Por que, nelas, fatores como carisma, oratória, maior exposição na televisão durante as campanhas, desempenho nos debates e mesmo alguns pontos de agenda geral, certamente afetam seus resultados. E possibilitam a eleição de um Lula presidente – mesmo assim só na quarta tentativa e depois da “Carta aos Brasileiros” –, de algum governador de Esquerda aqui e ali, de uma ou duas centenas de prefeitos. Mas a eleição que verdadeiramente representa o povo brasileiro é a parlamentar. Para começar, o candidato está mais próximo do seu eleitor, não raro promove reuniões caseiras, conviveu no bairro ou na pequena cidade por muitos anos, conhece não pouca gente pelo nome próprio, até se apresenta e se identifica por ridículos apelidos ligados a circunstâncias da vida presente ou passada. O Senado, a Câmara dos Deputados, as assembléias estaduais ou de vereadores, são lídimos representantes do povo. Um povo que constitui um eleitorado onde menos de 7% tem curso superior completo e 75% concluiu, no máximo, o antigo “primário”. Sessenta e seis por cento das famílias brasileiras têm renda mensal inferior a R$ 2 mil, dinheiro que mal dá para alimentação, transporte e moradia. Sua única fonte de informação é a televisão aberta – ou a igreja… Cerca de 30% são evangélicos. Os demais, na grande maioria, professam alguma versão carismática ou confessional do catolicismo. Esse contingente majoritário da nossa população elege, eleição após eleição, aquela maioria corrupta de deputados e vereadores que, se em algum momento, chegou a apoiar as políticas progressistas de Lula, fê-lo justamente por ser corrupta: como está provado pelas investigações da Operação Lava-Jato… Da mesma forma, antes, apoiaram as políticas anti-sociais e anti-nacionais de Fernando Henrique Cardoso, dando-lhe até a emenda da reeleição. Mas isso, a Lava Jato prefere não investigar… Essa corja de PPs, PMDBs, PPSs, PTBs, PRBs, SDs et caterva só tem uma ideologia: dinheiro. Com dinheiro, além de enriquecimento pessoal, sustentam suas políticas fisiológicas e clientelísticas necessárias para comprar a fidelidade de um eleitor ou eleitora que só pode, literalmente, pensar no dia de amanhã; nunca, premido por suas necessidades e limitado por sua ignorância, no amanhã do País.
Muitos se perguntaram, admirados, por que o voto “pobre”, nessas últimas eleições, sufragando tipos como João Dória ou Rafael Greca, para ficarmos apenas nestes exemplos emblemáticos, por que o voto “pobre” legitimou o Golpe; logo pareceu apoiar o seu “pacote” tenebroso de já anunciadas medidas anti-populares e anti-nacionais. Digo-lhes, esses resultados não me surpreenderam. São, na verdade, lógicos. Como é lógico o voto de grande parte da classe média carioca em Marcelo Freixo, no segundo turno das eleições no Rio. Não foi necessariamente um voto na Esquerda, muito menos de Esquerda. Retornando ao meu começo, é um voto na Civilização. Esse segmento da sociedade, melhor informado e culto, liberal nos costumes, não dependente de favores políticos, segmento que, no primeiro turno, votou nos candidatos do Centro, esse segmento sabe bem o que Crivella, seus pastores, suas milícias, seus narcotraficantes representam. Votou contra a barbárie.
São de todos e todas aqui sabidas as motivações fundamentalistas do juiz Sergio Moro e seus promotores, a exemplo desse lamentável Deltan Dallagnol. Descrevem-se como cruzados numa luta do bem contra o mal, ou de Deus contra o Diabo. Claro, o Diabo é vermelho… assim sempre foi pintado na iconografia cristã. Mas, convenhamos, eles não surgiram do nada, não apareceram da noite para o dia. Eles vieram se formando na família conservadora paranaense, nos colégios privados por onde passaram, na faculdade positivista de Direito; chegaram no serviço público por concursos objetivistas nos quais, certamente, demonstraram competente conhecimento jurídico mas nada lhes foi perguntado sobre seus compromissos sociais e nacionais. Seria enviezamento ideológico, bradariam os liberais. Como se o Direito positivo liberal não fosse ele mesmo ideológico…
Estamos assistindo estupefatos – e paralisados – a Justiça instalar uma ditadura fundamentalista em nosso País, o que também não seria nenhuma novidade histórica. A barbárie nazista foi, igualmente, legitimada pela Justiça alemã, Carl Schmidt no papel de Gilmar Mendes – talvez com mais brilho. O que, no caso, não é mérito.
Estamos assistindo boquiabertos à consumação de um processo que não começou ontem, não começou após a segunda eleição de Dilma, não começou com a Lava Jato. Estamos assistindo à erupção vulcânica de forças que vieram se acumulando no Brasil e no mundo ao longo dos últimos 30 anos em que o radicalismo liberal do MacMundo cevou o radicalismo jihadista de segmentos ultraconservadores das classes médias, inseguros diante da violência lúmpem, descrentes de uma democracia reduzida ao poder do dinheiro.
Contraditório, sim, contraditório. A quem falta educação e cultura para ler além do imediato (um imediato hoje em dia empiricamente experimentado na velocidade da internet) – sejam promotores da Lava Jato, sejam eleitores de Crivella – a complexidade do mundo há que ser reduzida a soluções binárias. De um lado, a Verdade absoluta, a certeza dos missionários. Do outro, o absolutamente falso, o inimigo diabólico a ser reduzido a nada. Assim, por exemplo, condene-se o almirante Othon Pinheiro, pai da tecnologia nuclear independente brasileira, a 47 anos de prisão. O almirante tem 77 anos de idade.
Concluo.
Entre o Deus mercado do MacMundo e o Deus mãos limpas da Jihad, a democracia não tem futuro. É Barber quem diz. Eu concordo.
A democracia é uma construção da Razão crítica. E, neste momento, a Razão está sendo expulsa até da Academia, tomada de assalto por teorias pós-modernas e, nisto, por linhas de pesquisa que, ignorando a universalidade das classes sociais, também enfatizam a segmentação identitária do mundo, a mesma que tanto serve ao MacMundo do trabalho fragmentado e das marcas “customizadas”, quanto à Jihad das guerras etnicidas, religiosas, quando não meramente bandoleiras.
A Razão resiste, não duvidemos. Assim como o projeto civilizatório. Nós, da Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, temos um lugar na trincheira dessa resistência. Se “economia política” é a palavra chave que nos define, nosso campo é herdeiro direto de uma linhagem que remete a Marx e, dele, a Saint Simon, Voltaire, Hegel, Spinoza, Bacon, entre outros. Linhagem que nos chega via Herbert Schiller, Armand Mattelart, Dallas Smythe. Nosso campo discute o poder, não um poder foucaultiando que está em toda parte, logo não está em parte alguma, mas o poder do capital, concentrado nas grandes corporações mediático-financeiras que moldam o MacMundo mas, nisto também, semeiam a Jihad.
O nosso campo é um espaço de luta, dentro e fora da Academia, pela Civilização que construímos até aqui, ou de denúncia racional da barbárie crescente que nos envolve e afoga.
Socialismo ou barbárie – acusou Rosa Luxemburgo!
Dedico esta minha fala a Alex Schomacher Bastos, 23 anos, filho dos meus amigos Mausy Schomacher e Andrei Bastos, um jovem que já prometia um brilhante futuro como cientista, brutalmente assassinado perto de um dos portões da UFRJ por uma dupla de lúmpens. Sua morte é a própria metáfora do futuro que nos aguarda se não reagirmos a tempo.
Obrigado!